terça-feira, 26 de julho de 2011

Conto publicado pela Andross Editora


FOME
...tristeza que eles nunca viram no rosto de uma criança...
CÉSAR DE LIMA

A noite caíra havia pouco naquela pequena vila rural.
Por suas ruelas escuras, um pequeno vulto esgueira-se, como que procurando algo entre as casas.
Pára diante de uma porta que irradia luz fugidia por entre suas muitas frestas. Os moradores daquela humilde casa são Seu Jorge, caboclo forte e de enorme coração, sua mulher Dona Joana e seus dois filhos João e Célia, estes com doze e dez anos respectivamente. Uma família pobre, mas unida e feliz.
É hora do jantar e estão todos à mesa quando ouvem bater à porta.
Ao abrir, Seu Jorge se depara com uma menina bem pequena, olhos grandes, com uma expressão de tristeza profunda, muito magra e de pele branca. Indaga quem ela é e o que deseja, pois nunca a havia visto na vila.
A menina, contudo, nada fala e nem se move.
Ele insiste, várias vezes, mas a menina continua muda, apenas olhando-o com seus grandes olhos tristes, como a pedir alguma coisa.
Dona Joana se aproxima e, vendo aquela tristeza nos olhos da pequena, bem como sua aparência geral, apressa-se em fazê-la entrar, ralhando com seu marido por tantos questionamentos.
Oferece jantar, ela recusa; um doce de abóbora fresquinho, recusa.
Dona Joana se afasta e pede aos filhos, que calcula terem a idade da menina, que tentem fazer com que ela fale. Brincadeiras, piadas, jogos e brinquedos são tentados e nada se consegue.
Ela apenas fica lá, muda, com os seus olhos enormes e com uma tristeza que eles nunca viram no rosto de uma criança.
As horas passam e fica tarde. Desistem e resolvem colocá-la pra dormir junto deles, para decidirem o que fazer pela manhã. Ajeitam as crianças, deitam-se todos e as luzes são apagadas.
O Sol já vai alto quando o vizinho de Seu Jorge resolve bater à sua porta. Não é normal que ninguém tenha se levantado ainda.
Bate à porta várias vezes e não escuta um ruído sequer dentro da casa. Chama os outros vizinhos e todos resolvem entrar para saber se algo aconteceu aos amigos.
Nos quartos, encontram-se os corpos de toda a família. Quatro corpos. Aos pedaços. Adultos e crianças. É uma loucura que se estabelece. Ninguém entende nada e nem sabe o que fazer.
Fora algumas manchas nas roupas dos mortos, não há sangue. Em nenhum lugar da casa há sangue.
Mas ninguém vê ou se importa, todos apenas gritam e correm.
Outra vez a noite cai, apenas a luz das estrelas iluminam parcamente aquelas paragens. Uma placa na estrada indica que logo após a curva há uma pequena vila. Ela, pequena, de olhos grandes e tristes pelos séculos de solidão, segue adiante pelo caminho indicado com apenas um pensamento: fome!

2 comentários:

sani mara disse...

Nossa Cesar, que texto impactante!!!Mexeu com sensações tão fortes que nem sei descreve-las, mas confesso que o final me trouxe lágrimas aos olhos...Senti tão forte a solidão da menina imortal e tão eternamente faminta!!!

César de Lima disse...

Obrigado! eu também gosto muito desse conto...queria poder filmar isso...visualmente acho que ia ficar otimo!